‘Nos Varadouros do Mundo: da territorialidade seringalista à territorialidade seringueira (do seringal à reserva extrativista)’ é um estudo empírico que se inscreve no amplo movimento teórico que se convencionou chamar de Geografia Crítica. Dialoga com a Geografia Política situando-se numa perspectiva que entende o poder não como substância ou encarnado no Estado mas como parte das relações humanas. Para isso de-substancializa a categoria de Território operando com a tríade Território-Territorialização-Territorialidade e, assim, com os processos instituintes das grafias na terra, enfim, das geografias enquanto atos demarcar a terra. Assim, a Geografia também deixa de ser um substantivo e passa a ser vista como verbo/ação.
Esse arcabouço teórico não estava posto no início. Foi sendo desenhado ao longo do próprio trabalho de pesquisa que, por sua vez, derivou de um encontro do movimento de renovação teórico-crítico da Geografia e, de outro, do movimento dos seringueiros da Amazônia Brasileira, do Acre em particular. De comum entre esses dois movimentos, em si mesmos de campos tão distintos, estava a crença de uma ciência a serviço da transformação social num sentido próprio, no caso, procurando uma sociedade igualitária (socialista) e ecologicamente responsável sustentada numa radicalidade democrática.
O movimento dos seringueiros foi analisado enquanto algo tangível, concreto, que construiu sua identidade nas circunstâncias histórico-geográficas concretas a partir do vale do rio Acre, afluente do rio Purus, na Amazônia Sul Ocidental. A pesquisa pode ser enquadrada naquilo que E. Soja chamou de materialismo histórico e geográfico onde mais do que apontar a historicidade do espaço geográfico procurou-se apontar a geograficidade da história. Nossa pesquisa aponta exatamente para essa conclusão: a de que mais do que ser um produto histórico (que é) o espaço geográfico é condicionador de história.
O movimento dos seringueiros é emblemático nesse sentido ao ter conseguido forjar sua identidade de um modo explicitamente geografizado: a Reserva Extrativista. A Reserva Extrativista constitui uma invenção no campo do direito na medida que rompe com a idéia de unidade de conservação ambiental enquanto Natureza separada da Cultura ao colocar as populações extrativistas como protagonistas da gestão do seu espaço. Além disso a Reserva Extrativista é parte do complexo de reorganização societário porque vem passando a sociedade contemporânea onde o Estado (Territorial) Nacional , forma geográfica por excelência da Sociedade Moderna, vem deixando de constituir a forma exclusiva de territorialidade. No entanto, nossa pesquisa aponta que se a Territorialidade Seringueira foi possível em função da crise do Estado (Territorial) Nacional, ao mesmo tempo requer novas formas de passagem, de articulação, entre o local e outras escalas. Enfim requer outras territorialidades (que bem podem ser novas funções do Estado Territorial Nacional).
Gonçalves, C. W. P. 1998. Nos Varadouros do Mundo: da territorialidade seringalista à territorialidade seringueira. Tese (Doutorado em Geografia) – Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.